Publicado em 28 de agosto de 2024
Por Marco Frade
O grande desafio dos planejadores de mídia é justamente atender as demandas de pontos de contato múltiplos dos consumidores e tornar as mensagens publicitárias mais eficientes. Afinal, o consumidor está sempre em movimento e ele é o decisor do seu ponto de atratividade. As diversas oportunidades de mídia irão impactá-lo em momentos de jornada, seja em suas tarefas cotidianas, em trânsito, momentos de lazer, em redes sociais e canais digitais ou mesmo em buscas espontâneas quando querem consumir algum produto ou serviço.
O grande nó do desafio cross media é justamente apurar os pontos de interseção dessas jornadas com as mensagens publicitárias, e fazê-las críveis e assimiláveis para os consumidores nos melhores e mais adequados momentos de contato com elas. E, talvez, o que há de mais crucial nessa detecção de pontos de contato seja a uniformização de métricas multimeios, que possibilitem comparativos entre os diversos meios de mídia que se fragmentam em modalidades de consumo de informação e entretenimento.
A discussão, que povoa os grupos de estudos de diversas entidades do setor publicitário, pode ser dividida em quatro grandes blocos. Os dois primeiros temas de discussão recaem, primeiro sobre o panorama do cross media e seu histórico, segundo sobre os critérios a serem adotados para uniformização de métricas entre os meios de mídia. Partindo de uma análise sobre o panorama de estudos e conhecimentos que perpassam as discussões e documentos publicados por essas entidades, as análises recaem sobre o ponto fundamental de critérios de metrificação e comparativo entre meios de mídia. O terceiro grande bloco inclui a amplificação da discussão para meios que não são tão comparáveis, porém exigem um grau de análise de semelhança de resultados que facilite a vida das marcas e planejadores de mídia na hora de se decidirem sobre alocação de recursos de publicidade e marketing. O que temos, ainda, é um aprofundamento dos estudos centrados em vídeo para comparativo entre TV e Internet, porém, a fluidez dos canais de mídia que não mais se identificam em formatações estanques, exige que se inclua as TVs online, o digital que avança sobre as TVs Conectadas (CTV), o meio Out of Home que já tem grande parte de modelo de compra via digital automático, o rádio que avança para tecnologias de Inteligência Artificial e audiência virtual e outras possibilidades de mídias como podcasts, influenciadores e ações de experiência em marketing, para citar alguns exemplos. Por fim, o quarto grupo de discussões é justamente a necessidade de se respeitar a individualidade de cada meios e suas potencialidades intrínsecas em contraposição à ânsia de se achar o Santo Graal da audiência cross media. Corre-se o risco de se eliminar vantagens oferecidas por cada um dos meios quando se pretende pasteurizar e unificar em uma única métrica que sirva de moeda comparativa entre meios e, consequentemente, de distribuição de orçamento publicitário, quando as nuances das eficiências diversas dos meios de mídia podem entregar mais para os objetivos de negócios das marcas e anunciantes.
O panorama de estudos inclui entidades do meio, como o IAB (Internet Advertising Bureau), que no seu capítulo brasileiro formou um grupo temático para se aprofundar sobre o tema do cross media. Em seu documento intitulado Mensuração Cross Media, de junho de 2024, o grupo de trabalho analisa a metrificação da exposição dos consumidores em todos os veículos onde possam ter sido expostos a anúncios. Eles enumeram como plataformas/canais a serem incluídos no estudo TV linear, VoD e CTV, além das redes sociais e plataformas de vídeos que possuem capacidade de veicular anúncios em vídeo em grande escala. As razões que esse grupo de trabalho apresenta para o estudo de cross media estão centradas no consumidor e em suas jornadas, “porque a audiência consome mídia de maneira cross, e não presa a uma única mídia[1]”. O documento segue afirmando que a medição cross media é fundamental para a distribuição do orçamento publicitário e faz parte das atribuições dos planejadores de mídia e profissionais de marketing terem conhecimento apurado sobre o tema para se tornarem mais eficientes nessas alocações de investimento otimizando alcance, frequência e ROI. As fontes dessa discussão no grupo de trabalho do IAB incluem o “Guia de Melhores Práticas ao Mercado Publicitário: por uma publicidade livre, pujante, transparente, ética e profissional” publicado pela ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) em 23 de novembro de 2021, além de outros estudos precedentes do IAB que tocam no tema do cross media, o “Campaign Audience Validation (mensuração de resultado pós-campanha) publicado pelo Kantar em 2021 e, em 2022, o Cross Platform View (mensuração de consumo domiciliar) também do Kantar, porém com a ressalva de que os critérios adotados pela Kantar não estão suficientemente claros para algumas entidades, uma vez que não houve um consenso prévio das mesmas para aprovação do conteúdo desse documento. Todas essas fontes tiveram referência na Carta Global de Mídia, traduzida do original da WFA para o Brasil pela ABA em 2018 e que vem regendo os principais critérios de transparência e tecnicidade em mídia ao redor do mundo.
Outra entidade que abraçou a causa dessa discussão foi o CENP (Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário) por meio do seu Núcleo de Qualificação Técnica de Mídia, um dos mais respeitados do mercado publicitário dado ao seu caráter de certificação de pesquisa e análises de mídia. No documento “Panorama da Mensuração de Mídia” de junho de 2024, o comitê do CENP afirma que “em um contexto de mídia cada vez mais fragmentado, a busca por uma mensuração de audiência cross media unificada e com comparabilidade é crítica. É um caminho sem volta” [2]. As análises do CENP apontam que o modelo que vigora no Brasil é o de um regime que se autorregula entre fornecedores e o mercado, sendo que há comitês específicos de estudos sobre os temas, como o da ABAP/Redes, que inclui representantes de agências e veículos que atuam nas questões relacionadas à medição de TV. No entanto, o CENP aponta que não existe até o momento uma organização dedicada às questões de mensuração cross media.
O estudo do CENP, bem como o do IAB, reproduz um histórico da discussão, remontando ao Projeto CMAN (Cross Media Audience Measurement), de 2017, quando as discussões se iniciaram no fórum do CENP, passando pelo lançamento do CMP (Cross Media Performance) em 2021, pelo CPV (Cross Platform View) em 2022, pela criação do Comitê XMP (Cross Media Planner) em agosto de 2022 que contou com a participação de representantes da Globo, SBT, Record, Google, Anunciantes, Agências e ABEP. Em 2023 houve a primeira tentativa de lançar o XMP no Brasil e em 2024 o anúncio da retomada do lançamento desse comitê e suas contribuições para o tema. Ainda está em desenvolvimento, por parte do Comitê Técnico do CENP, um estudo da Fase 1 do Total Video, que busca elucidar os pontos mais críticos da discussão sobre cross media. No dia 25/04/24, a ABERT, juntamente com ABAP e FENAPRO, divulgaram uma carta manifesto ao mercado enfatizando a necessidade imediata de discussão sobre a integração de métricas de audiência no mercado brasileiro, indiretamente estavam desautorizando os critérios utilizados pelo último estudo de cross media elaborado pelo Kantar Ibope Media comparando e equalizando audiência de vídeo em TV e online, o que causou muita discussão e esquentou o debate no meio publicitário, uma vez que esse tradicional e importante instituto de pesquisa de mídia faz a metrificação de cross media em diversos países do mundo, com ampla aceitação em mercados mais desenvolvidos, conforme mostra o mapa de métricas de cross media ao redor do mundo no documento do CENP e que aponta iniciativas desenvolvidas pela NBCUniversal, Nielsen, GfK, WFA (World Federation of Advertisers) com o estudo do framework “Halo” (estudo que se pretende a ser o norte para as demais iniciativas nos países), além e ISBA e ANA (EUA).
Completando o panorama, o estudo do Comitê do CENP aponta para as principais iniciativas de governança sobre métricas que podem servir de exemplo para o Brasil e que poderiam ser reivindicadas pelas entidades que atuam nesse mercado, como o JIC (Joint Industry Committee, que agrega agências e anunciantes europeus através de suas entidades representativas), o MOC (Media Owner Committee, também de agências e anunciantes em um modelo mais equilibrado de representatividade) e o OS (Own System, de caráter privado mas que aceita contribuição das entidades nas definições de critérios). Esses modelos de comitês inclui a seleção de fornecedores de pesquisa de forma mais criteriosa e agnóstica para a metrificação, além de selecionar, centralizar pagamento e educar o mercado quanto aos outputs advindos da iniciativa, sendo o mais bem sucedido exemplo o JIC da Inglaterra que coordena o painel da Kantar para o Barb Audiences TV e integra com a metodologia da RSMB, enquanto o Ipsos realiza a pesquisa de enumeração.
Partindo para o tema de critérios, o desafio encontrado pelo cross media é superar as fases de medição de audiência de cada meio de mídia, dada à sua especificidade, como aplicar os critérios ao planejamento de campanhas publicitárias, como integrar as métricas de eficiência como GRP/TRP, alcance, frequência, impactos com as métricas específicas de digital como impressões, CTR, viewability e click truth. As duas últimas fases envolvem a ressonância que o construto gerado desses estudos pode alcançar no mercado e a sua capacidade de tornar críveis os dados resultantes. Ainda há muita indefinição nesse campo, e aqui neste artigo ressaltamos a urgência de uma reflexão muito profunda de anunciantes e agências sobre a fundamentação em métricas de mídia. Nos últimos anos experimentamos um direcionamento de supremacia de BI (Business Intelligence) devido à automatização e digitalização da publicidade, o que tem seu mérito, porém esses profissionais não substituem os especialistas em pesquisa de mídia, setores que foram totalmente abandonados pelas agências de publicidade, além do tema não alcançar mais os CMOs dos anunciantes que buscam por métricas de eficiência de negócio quando o mercado quer resolver a questão científica da audiência de mídia que pode justamente embasar essas métricas de business ansiada. Falta fundamentação de base sobre o que é audiência, como se mede, qualifica e ressoa no mercado, justamente porque falta investimento em profissionais experimentados em pesquisa de mídia que possam elucidar o tema sem dependerem de respostas prontas advindas das plataformas de big techs, verdadeiros walled gardens que dominam o mercado publicitário.
Continuando na esteira de critérios, um grande desafio é amplificar o arsenal de meios incluídos nos estudos e discussões. Fica rasteiro concentrar os esforços no comparativo de vídeo entre TV e Digital, uma vez que o próprio conceito de TV se diversificou em TV Linear, TV Online, CTV e outras possibilidades de transmissão de vídeo, bem como o de Digital invade a própria TV, usa os conteúdos da TV e demais meios para promover audiência e afeta os resultados medidos. Um outro ponto na discussão é justamente amplificar para abarcar a audiência de OOH, que já é medida pelo MapaOOH e outras iniciativas em uma metodologia determinística que cruza dados de sensores, telco e fontes terceiras, bem como resgatar o meio Rádio para a discussão, que já bebia da fonte metodológica de TV e que se reinventa no mundo com a digitalização e uso de IA como alternativas de alcance do meio. Sem contar demais formatos que fazem parte da jornada do consumidor, como o fenômeno do Retail Media, considerada já a terceira onda da Internet, os podcasts e suas múltiplas formas de impacto e consumo, os influenciadores e o engajamento que promovem das marcas nas redes sociais e toda a sorte de produção de conteúdos diversificados que as marcas investem para estarem próximos dos seus consumidores, falarem suas línguas, encantarem e surpreenderem com mensagens que engajam de fato no seu cotidiano.
O último recado fica por conta de se respeitar a individualidade de cada meio de mídia na busca por métricas e planejamentos cross media. Nada vai alterar as escolhas dos consumidores em relação a seus gostos e preferências na hora de valorizarem um click, consumir conteúdo quando e onde bem entenderem e fazer suas tomadas de decisões, nem mesmo uma métrica única é capaz de mudar esses hábitos e escolhas, que jamais serão estanques.
Marco Frade é publicitário e profissional de mídia por formação, experiência e paixão pelo tema. Atualmente é Diretor Executivo da Associação MapaOOH de métricas de audiência de OOH e CEO do Bazar de Mídia.
[1] IAB Brasil, Mensuração Cross Media. 18 de Junho de 2024.
[2] CENP, Panorama da Mensuração de Mídia. Junho de 2024.